Não me lembro exatamente quando o ato de cozinhar entrou na minha vida. Mas tenho algumas lembranças remotas desse meu prazer por fazer “mágica” na cozinha. Sim, porque cozinhar é fazer mágica, mudar sabores, construir texturas, fazer nascer algo novo de ingredientes completamente diferentes.
Mas, lembro de ainda garota, com uns 11 anos, correr para pegar meu caderninho para anotar uma receita que passava no Programa X-Tudo, da TV Cultura. Meu pai tinha recebido uma antena parabólica de um devedor e era um luxo enorme ver TV Cultura, ele sempre foi comerciante e tínhamos alguns objetos “adquiridos” assim em casa. Nesse caderninho colecionava minhas receitas que eram escritas à mão, recortadas do verso de alguma embalagem ou de revista. Eu adorava vasculhar as embalagens buscando receitas novas, ficava extremamente decepcionada com receita repetida “poxaaa o bolo de laranja de novo!” . Da leitura dos rótulos também ganhei minhas primeiras receitas em formato bonitinho, havia letrinhas miúdas que diziam “para mais receitas escreva para Nestlé, Dona Benta…” E assim recebi meus primeiros livros!
Os bolos ganharam meu coração durante a adolescência, era uma festa quando meu pai ou minha mãe me deixavam pegar os ingredientes da mercearia. Eu fazia bolos para os amigos, para os festejos da igreja (morria de orgulho porque meu bolo era o primeiro a acabar), mas nunca me especializei nisso.
O ato de cozinhar sempre veio para mim como uma espécie de afago para o outro. Algo veio também da cozinha da mãe, a mestre da comida caseira, sua comida com frescor e temperos simples.
Cozinhar veio mais tarde também como um ato de libertação. Quando comecei a morar sozinha foi que percebi o quanto cozinhar é libertador! Poder preparar o alimento que vai te nutrir: olha a força disso! Quando me tornei vegetariana tive que refazer boa parte do aprendizado e foi aí que eu me encontrei! “Convenci” muitos amigos de que a culinária vegetariana é saborosa, perfumada e leve! E com o passar do tempo os amigos que começaram a me surpreender, preparando pratos vegetarianos para me receber. Que lindo isso!
O ato de cozinhar une e está em muitos momentos: um domingo chuvoso e um risoto, uma manhã bonita e uma panqueca, um coração partido e um bolo de chocolate com calda, uma vitória e um aspargo no forno, uma preguiça e um omelete, um dia de inspiração e basta uma bandeja de shitake na geladeira, necessidade de colo e uma sopa de ervilha! Já ensinei muitas receitas, já aprendi outras tantas com algum amigo(a).
Cozinhar é compartilhar! Tudo que você faz na cozinha tem a mão de alguém que já te ensinou. Tem também a soma das tuas experiências de vida. Se você não sabe cozinhar começa tentando, as tentativas podem se tornar um hábito e um prazer.
“As pessoas tornaram até mesmo o ato de se alimentar algo estranho: necessidade num extremo, excesso noutro. Então, elas enlamearam a claridade desta necessidade, assim como a todos os demais desejos simples e profundos pelos quais a vida renova a si mesma: jogaram tudo na lama. Mas o indivíduo ainda é capaz de torná-los límpidos para si mesmo, e viver com eles numa vida mais iluminada” (Do livro, Cartas a um Jovem Poeta).
Teciane Dias
Eu adorava assistir o X-Tudo e adorava quando tinha os ingredientes em casa. E preparar pratos vegetarianos pra receber vocês era um forma de dizer que amamos vocês. Que texto lindo, parece um abraço quentinho.
CurtirCurtir
Um abraço quentinho, amigo! Cozinhar, comer, compartilhar é lindo! 💓
CurtirCurtir